Desde que se tem notícia do mundo, existe pesca. Temos provas de sua antigadade na arte, na música, na dança, na literatura, na religião e nos registros arquipélagos das mais diferentes culturas que já existiram na face desse planeta. Mas assim como qualquer outro fenômeno social que seja comum a culturas distintas, não é possível falar de pesca de maneira generalizada.
E uma das formas de se conseguir separar, digamos, o joio do trigo, passa pela identificação e historicização de cada técnica de pesca, pois sim, da mesma forma que qualquer fenômeno social tem sua própria história, cada técnica/saber pesqueiro deve estar vinculado a grupos sociais específicos que por meio do domínio desses saberes produzem algo que transcede a tarefa imediata de captura do pescado para alimentação. Daí ser possível falar de culturas marítimas, culturas pesqueiras, sociedades pesqueiras, etc. Dados esses primeiros passos, vamos ao nosso contexto.
Cabo Verde é um arquipélago africano encontrado inabitado pelos portugueses em 1460 que a partir desse momento se tornará um valioso entreposto de escravizados e uma parada estratégica para as travessias dos europeus pelo altântico. Para dar suporte ao tráfico negreiro, foram transferidas para as ilhas estruturas sociais rígidas que foram utilizadas para organizar uma sociedade em que o trabalho escravo se constituía como o pilar central da engrenagem colonial.
Seguindo os desdobramentos dessa ocupação colonial, se tem a consolidação de uma sociedade de base agrária, com os proprietários das terras férteis figurando no topo do tecido social e sustentados pelo trabalho de uma base camponesa que precisou ser extremamente forte e inventiva para alcançar sua autonomia cultural em relação às elites econômicas da colônia.
A pesca artesanal de Cabo Verde, surge, portanto, no seio dessa base camponesa que sempre teve no pescado uma importante fonte de alimentação, mas também de produção social e cultural da diferença. Pesca e agricultura, nessa história, são trabalhos subalternizados, trabalhos ligados, primeiro ao mundo dos escravizados e, mais tarde, ao univero camponês dos meeiros que gravitavam em torno dos Morgados.
Seja como for, no presente, a pesca de linha de mão em botes boca aberta, a expressão mais significativa da pesca artesanal do arquipélago, alcança todas as suas ilhas, possui mais de 90 pontos de desembarque e agrega o trabalho de milhares de famílias em cujas mãos calejadas de trabalho duro, se encontra a expressão popular mais importante de apropriação dos recursos pesqueiros existentes nos mares do país.
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